quinta-feira, 3 de março de 2011

Governo se rendeu ao “deus-mercado”?

Por Altamiro Borges

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aprovou, nesta quarta-feira (2), mais um aumento de 0,5% na taxa básica de juros. A mídia corporativa, que mantém sólidos vínculos com o capital financeiro, já havia cantado a bola de que isto iria ocorrer. Na verdade, ele utilizou as duas últimas semanas para criar o clima neste sentido – com manchetes sobre o fantasma da inflação e queixas contra as medidas “tímidas” de cortes do Orçamento da União (e olha que foram R$ 50 bilhões de cortes!).

A decisão do Copom, que garante ao Brasil o título de recordista mundial em juros, evidencia a incoerência da política econômica do novo governo. No seu segundo mandato, o presidente Lula adotou várias medidas heterodoxas para evitar o contágio da crise capitalista internacional. Cortou juros e elevou os gastos públicos, o que aqueceu o mercado interno, gerou emprego e renda e amainou os efeitos da depressão. Agora, o governo Dilma Rousseff retoma as velhas teses ortodoxas de contenção da economia.

Incoerência da política econômica

Numa ponta, o governo corta investimentos e eleva os juros – o que trava o crescimento, retrai a produção e o consumo, gera o desemprego e rebaixa a renda. Na outra, ele eleva os benefícios do programa Bolsa Família. No primeiro caso, recebe os aplausos dos banqueiros, rentistas e de parte da mídia corporativa, e é duramente criticado pelo sindicalismo e por empresários ligados à produção. No segundo, ele recebe críticas da mídia, que ataca o “populismo” e o “assistencialismo” do governo, e elogios dos movimentos sociais. Essa contradição expressa bem a chamada “luta de classes”, que alguns pensavam que tinha acabado.

Infelizmente, porém, a ponta que beneficia a sociedade continua sendo penalizada. Como bem apontou o sítio Carta Maior, “a reunião do Copom desta 4º feira serviu um 'lexotan' de R$ 7,5 bilhões aos mercados financeiros, com mais uma alta de 0,5 ponto na taxa básica de juro do país. O valor equivale a quase quatro vezes o gasto previsto com o reajuste do Bolsa Família, anunciado no dia anterior, que deixou os 'mercados nervosos' embora beneficie 50 milhões de brasileiros mais pobres”.

Transferência de R$ 15 bilhões

Desde que Dilma Rousseff tomou posse na presidência, esta já é a segunda alta consecutiva da Selic. Em apenas 41 dias, a taxa de juros subiu um ponto percentual, pulando para 11,75%, o que significa que “houve transferência de R$ 15 bilhões em recursos fiscais dos cofres públicos aos rentistas detentores da dívida interna. Em 2010, foram pagos, no total, R$ 190 bilhões em juros”. Esta sangria de recursos é desastrosa para o país – mas, neste caso, a mídia corporativa não critica a “gastança pública”.

Segundo a própria Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, que não pode ser chamada de esquerdista, a atual política monetária é um desastre. “Os juros, além de esfriarem a economia, servem para aumentar a despesa pública”, afirma Paulo Skaf, presidente da Fiesp. Ele prevê que o Brasil gastará neste ano com o pagamento dos juros mais de R$ 200 bilhões. “É quase três vezes o orçamento da Saúde, é muitas vezes o orçamento da Educação. Temos de tirar essa cultura dos juros altos do Brasil”.

A desculpa esfarrapada da inflação

Apesar das críticas, o governo insiste no caminho da retração. O Banco Central inclusive já sinalizou que promoverá nova alta da Selic em sua próxima reunião, em abril. A desculpa oficial é que há risco de retorno da inflação. Mas vários estudos indicam que a recente elevação dos preços não decorre de fatores internos. A principal fonte de pressão inflacionária provém do aumento dos preços das commodities de alimentos no mercado mundial, influenciado pela ação especulativa das multinacionais do setor.

Neste sentido, o aumento da Selic é totalmente ineficiente para controlar a inflação. Seriam necessárias medidas para incentivar a produção de alimentos no país – o que esbarra na prioridade dada ao agronegócio voltado à exportação e na ausência de maiores estímulos à agricultura familiar. Também seriam necessárias medidas contrárias à especulação financeira. O aumento da taxa de juros caminha exatamente no sentido inverso, estimulando a vinda do capital volátil, do “capital-motel”, ao Brasil.

Até quando vão abusar da nossa paciência?

Como afirma o economista Paulo Kliass, num artigo publicado também na Carta Maior, as recentes medidas econômicas do governo Dilma Rousseff começam a gerar temores e impaciência. “Dois aumentos sucessivos na Selic durante as duas primeiras reuniões do Copom. Inflexibilidade no debate e na votação recente do valor do salário mínimo. Anúncio do pacote de cortes de R$ 50 bi apenas para conferir aparência de seriedade e austeridade perante a turma das finanças... Pouco a pouco, parece que a presidenta começa a deixar clara sua opção por quais setores pretende dedicar a prioridade de atenção de seu governo”.

“Ao que tudo indica, os setores populares começam a ficar um pouco impacientes. No Brasil, a nossa conhecida cordialidade costuma oferecer prazos aos governos recém empossados. Alguns falam nos ‘primeiros noventa dias’ para apresentar os primeiros resultados e sofrer as cobranças. Lula chegou a fazer a analogia com a gestação da mulher, que demora nove meses para dar a luz ao bebê, na tentativa de segurar as queixas no começo de 2003... De toda a forma, sente-se uma espécie de inquietação no ar. O tempo começa a passar e as medidas prometidas e esperadas não aparecem na agenda do governo. Como dizia Cícero em seu discurso no Senado romano, até quando vão abusar de nossa paciência?”.

3 comentários:

Noir disse...

Não basta dar educação, saúde, fazer obras de infra-estrutura e bolsa-família, é preciso não gastar tanto com os rentistas.
Afinal de contas faz mais efeito dar um aumento na Selic de 0,5, se a taxa fosse de 2, 3 ou 4%, do que um aumento de 0,5 sobre uma taxa que é de 11,50.

jegue disse...

Ninguém vê que o problema da inflação está ligado a especulação finaceira sobre alimentos , as revoltas nos países árabes produtores de petroleo e a guerra cambial em curso entre EUA e China .Esta receita néoliberal será um desastre para a economia do país .

Ana Cruzzeli disse...

Altamiro,

Muitos países exportadores de commodities estão segurando suas exportações para assim frear a inflação interna, Russia, Argentina, e outros 30 e tantos. Esse freio tem variações, alguns simplesmente criaram cancelas a principio e depois começaram a dar subsidios.
Segundo as regras da OMC o subsidio é proibido nas exportações qualificado como concorrência desleal. Bom, esses paises estão pagando para que não haja exportação, logo eles não estão descumprindo a OMC. Será? Eu acho que não, por um detalhe, há sempre excesso de produção que acaba sendo exportado e o camarada vai exportar o excedente pelo preço internacional e assim pressionando o aumento do subsidio aumentando a sangria dos cobres publicos diminuindo a liquidez interna e pressionando a inflação interna e de quebra mantendo a inflação internacional.
Esse é um aspecto negativo do subsidio o outro é o seguinte se o exportador direcionar toda a sua produção para o mercado interno ele nunca ficará satisfeito em manter o preço do seu produto depreciado em relação ao mercado internacional e forçará o governo a cada tempo elevar o preço dos subsídios.
Altamiro, não existe mágica, não existe saída senão a elevação da taxa de juros. Se todos os demais países elevassem suas taxas de juros, a pressão especulativa sobre o fundo de commodities se direcionaria para esse mercado financeiro e tudo entraria em equilíbrio novamente. Os países quebrados pelo fiasco das ações hipotecárias estadunidense não vão mover um milímetro nesse caminho pelo menos por enquanto, quem tem que fazer são os países periféricos. A nossa esperança é que os EUA se erga um pouquinho para que ele faça essa elevação. A previsão é de que seu crescimento para 2011 seja de 3% a 3,5 % , então tanto o Brasil, China, Rússia e Índia devem ajudar os EUA a crescer o mais rapidamente possível para que essa pressão especulativa se arrefeça . A China e o Brasil já dão sinais de que vão caminhar nessa direção, a previsão é de redução do PIB em 2,5% para que assim os EUA possam crescer . Eles não estão fazendo isso em sacrifício de seu povo? Isso não se cogita e não será feito muito pelo contrário, para proteger o povo que esse encolhimento deve acontecer simplesmente porque não há outra saída para conter a especulação.
Altamiro relaxa menino, pois esse primeiro semestre o cinto ficará apertado mesmo, já em meados do segundo semestre o cinto será gradativamente afrouxado. Esse natal será muito bom, sabe por quê? O Brasil aprendeu a gastar e toda a vontade contida nesses meses será saciada no natal. Não esquenta com os especuladores financeiros, eles existem desde que o mundo é mundo logo... O Brasil está pagando muito com juros da divida, contudo vai economizar com todo o resto e principalmente sem ter que dar explicações para a OMC. Um dos capitais mais importantes de um país é a confiabilidade e o Brasil encabeça essa lista. Outro lado importante que poucos ainda não notaram, o Brasil está ajudando na descompressão da especulação de commodities trazendo especuladores desses fundos para cá e de quebra está ajudando à África e países pobres da Ásia. O Brasil foi o primeiro a fazer isso, já está sendo seguido pela China e logo logo pela Argentina e Russia, então estamos no caminho certo.