domingo, 20 de março de 2011

A emergência da blogosfera progressista

Reproduzo entrevista concedida à revista Nordeste VinteUm, que teve como gancho a coletiva de Lula aos blogueiros progressistas em novembro passado:

"Ao fim, quem imaginava que seria um encontro chapa-branca se surpreendeu". A frase foi dita pelo jornalista Renato Rovai, editor da revista Fórum, ao final da inédita e histórica entrevista que o presidente Lula concedeu um mês antes do fim de seu mandato, no Palácio do Planalto, à blogosfera (termo coletivo que compreende todos os weblogs, ou blogs, como uma comunidade ou rede social de comunicação eletrônica) progressista.

Por sua vez, Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, destacou a diversidade nacional do encontro, já que entre os entrevistadores havia representantes de sete estados brasileiros e de todas as regiões. A blogosfera, é bom que se diga, teve papel destacado no processo eleitoral brasileiro, posto que fez contraponto aos tradicionais veículos de comunicação que se postaram, de maneira uníssona, ao lado da candidatura conservadora de oposição. O incômodo foi notório a ponto de levar José Serra, então candidato do PSDB, a taxar essa nova mídia de “blogs sujos”.

Quem também esteve na linha de frente da batalha eleitoral e na articulação da entrevista com Lula foi o jornalista Altamiro Borges, do Blog do Miro e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Ele ressalta que pela primeira vez um Presidente da República concedeu uma entrevista a comunicadores que não sejam, especificamente, funcionários da clássica imprensa do país, monopolizada por algumas poucas famílias.

Altamiro concedeu entrevista à Nordeste VinteUm destacando o papel da blogosfera e alguns bastidores do encontro com Lula:

Qual a importância histórica da entrevista com o presidente Lula aos blogueiros?

Além de inédita, a entrevista teve um caráter histórico. Das 690 entrevistas nos seus oito anos de mandato, o presidente nunca tinha dado uma exclusiva para blogueiros. Isso abre um precedente, cria um novo patamar. É o presidente falando para uma nova mídia, tirando a exclusividade dos grandes grupos midiáticos. Essa entrevista quebra um paradigma e inicia outro. E isso vem sendo feito em algumas partes do mundo, inclusive foi marca da campanha do Barack Obama.

Nos Estados Unidos há um movimento de blogueiros muito forte e que se reúne anualmente. No último encontro havia onze mil blogueiros. Para se ter uma ideia, eles tiveram uma relação direta na campanha dos Democratas contra os Republicanos. E pós eleição, o Obama manteve essa dinâmica. De tempos em tempos ele dá entrevista exclusiva para um movimento de blogueiros independentes, e eu acho que o Lula deu um sinal nesse rumo.

Você acredita que as novas mídias vão mudar o perfil da mídia tradicional?

Eu acho que já estão mudando, embora não do jeito acelerado que alguns opinam. A internet, nessa última eleição, teve um papel muito mais destacado. A mídia tradicional ou a velha mídia – e o próprio Lula usou esse termo numa entrevista com o Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador – teve momentos difíceis em função dessa nova mídia. A mídia tradicional tentava vender algumas imagens, difamações, e rapidamente os blogueiros e twiteiros davam a resposta. Então já está mudando, é uma nova realidade.

O que lhe chamou a atenção nessa dinâmica?

O que mais me chamou a atenção foi uma situação em que a Globo, principal império midiático brasileiro, havia feito um clipe comemorativo dos seus 45 anos, e utilizava o mesmo slogan da campanha do Serra. Era um negócio vergonhoso. Vários artistas globais dizendo “eu quero mais isso, eu quero mais aquilo”. E usavam o número 45 enorme que, “por coincidência”, era o número da legenda do PSDB, e uma cor chapada azul.

Isso saiu numa noite na Globo, quando ela inaugurou o clipe e, de imediato, os blogs começaram a mostrar que aquilo era propaganda dissimulada, propaganda indireta para o candidato José Serra. A Globo, então, preocupada com o bombardeio dos blogs, consultou o Supremo Tribunal Eleitoral e retirou. Foi uma mensagem subliminar que não durou um dia. Foi uma vitória da blogosfera.

Quais outros exemplos?

A cômica história da bolinha de papel, na qual tentou-se fazer do episódio um ataque terrorista, quase uma invasão do Bope nos morros do Rio de Janeiro. Só que a blogosfera foi para cima e mostrou que aquilo era irreal. Um outro episódio em que a blogosfera deu uma resposta muito rápida foi naquela série de entrevistas no Jornal Nacional, com o Willian Bonner, Fátima Bernardes, e os presidenciáveis.

Na ocasião, a entrevista da então candidata Dilma Rousseff não foi uma entrevista normal, foi um interrogatório. Só faltaram aparelhos de tortura. Já na entrevista com o Serra, só faltou ser feita na casa do Casal 45, num jantar. Uma delicadeza só. A blogosfera fez uma dura crítica e tiveram que pedir desculpas. De forma muito cuidadosa, mas tiveram que pedir sim. Isso são pontos da blogosfera.

A entrevista com o Lula só mostra que existe uma nova mídia nascendo, mas também acho que não se pode exagerar. Não quer dizer que essa nova mídia já se contrapõe à mídia hegemônica. Ninguém se contrapõe ao papel da televisão no Brasil. E ninguém pode subestimar nem superestimar essa nova mídia. É uma nova realidade. Eu usaria uma expressão do Antonio Gramsci: “O velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”.

O que teve de diferente na entrevista do presidente com os blogueiros?

É bom ressaltar que inicialmente tentaram criar a ideia de que ali só havia parceiros, já que inclusive estava presente um blog que se chama “Amigos do presidente Lula”. Mas a entrevista desmascarou essa crítica. Tentou-se vender que seria uma entrevista “chapa-branca”, de “puxa-saquismo”, e foi o contrário, ela foi muito crítica, até incisiva, mas sem essa pirotecnia que muitas vezes a mídia faz.

O presidente foi perguntado sobre o Daniel Dantas, sobre o Paulo Lacerda e o papel da Polícia Federal, que é uma coisa que incomoda. Ele foi questionado sobre o fator previdenciário. Foi questionado sobre problemas da campanha dele, em particular no Acre, onde foi derrotado. Definitivamente não foi uma entrevista “chapa-branca”, mas também não foi uma entrevista como a mídia costumeiramente faz, baseada na especulação, de quem vão ser os ministros; ou se ele está interferindo ou não na campanha da Dilma. Factóides que não aprofundam temas, fazendo o que o escritor John B. Thompson chama de escandalização da política. Diferente disso, nós procuramos temas de interesse da sociedade, e não temas de interesse da audiência ou da tiragem.

Ainda sobre a coletiva, você citou que ela foi uma vitória dos “blogs sujos”, fazendo referência à expressão que José Serra usou na campanha. O que achou desse ataque do então candidato?

Acho que o Serra utilizou um duplo discurso. Por um lado ele não aceitava críticas, ironias, e ficou muito bravo com os blogs, exatamente devido a essa resposta rápida, irônica, que a blogosfera fez na campanha dele. E como ele conta com o respaldo desses monopólios midiáticos, preferia que não tivessem os blogs, pois foram uma pedra no sapato, a ponto de ele ter feito discursos muito fortes contra o que chamou de “blogs sujos”.

Por outro lado, a campanha do Serra investiu uma fortuna nas redes sociais, na internet. Chegou a contratar um indiano maquiavélico para vir aqui e dar dicas de como fazer. Foram três empresas trabalhando direto com redes sociais para o “tucanato”... O Serra fez um duplo discurso porque investiu nas redes sociais e fez críticas às redes que faziam críticas a ele. Vejo que a nossa posição o incomodou profundamente, porque quebra o monopólio de opinião, o monopólio midiático.

Na entrevista com os blogueiros o presidente comentou sobre o comportamento às vezes leviano de parte da imprensa brasileira. Como você avalia essa imprensa?

No passado e no presente, no mundo e no Brasil, a mídia tem posição, mesmo que às vezes ela tente se esconder por trás do manto da imparcialidade. Se você analisar o passado, a mídia nasceu quando nasceu a imprensa, e se você for ver a história da imprensa, os jornais são quase que partidários. A imprensa cresceu e se transformou em grandes corporações em que a mercadoria é a subjetividade. Ela vende ideias, valores, tenta se disfarçar de neutra, imparcial.

Nos Estados Unidos a mídia não foi neutra na invasão do Iraque, ao contrário, ela divulgou as mentiras do Bush para justificar a troca de sangue por petróleo. Tem uma ONG estadunidense que constatou 930 mentiras que a mídia divulgou, como a informação que havia armas bacteriológicas e químicas, coisa que a ONU contestava. Até que o Saddam Hussein era amigo do Osama Bin Landen, coisa que a história da religião dessa região desmente. A mídia inventou tudo isso para justificar a guerra. E assim também é no Brasil. Ela tem posição de classe sim, só que ela tenta disfarçar.

E na campanha eleitoral?

No caso da campanha eleitoral, o único veículo que na reta final evitou essa hipocrisia foi o Estado de S.Paulo, pois assumiu em editorial que defendia o Serra. Os outros veículos não assumiram. Há aí uma diferença que tem relação com a regulação da mídia. Quando é um jornal, revista, de propriedade privada, o sujeito tem direito de se posicionar para quem quiser. Mas quando é uma concessão pública, uma TV ou rádio com a concessão do Estado, aí a coisa já complica.

Por exemplo, as histórias da Rede Globo que comentei há pouco, se tivessem ocorrido em um país civilizado, daria processo por manipulação, utilizando uma concessão pública. Então acho que a mídia é isso. Não se pode ter muita ilusão, nem ficar muito surpreso. A mídia tem posições. Como diz o professor Denis Moraes: “Ela é um duplo poder.” Um poder político e econômico. Político porque tem interesses de classe, e econômico por serem grandes corporações.

E isso não é de hoje, correto?

No avanço democrático do país, por exemplo, o governo João Goulart fazia as discussões das reformas de base. A imprensa na época, contrária a qualquer tipo de reforma agrária, urbana, apoiou os golpistas. E alguns desses “jornalões” acabaram bebendo do seu próprio veneno, porque os golpistas foram para cima da imprensa. Mas o fato é que ela apoiou o golpe, com exceção do jornal Última Hora, e apoiou os militares depois no poder.

Tem um estudo da Fundação Getúlio Vargas sobre o acompanhamento da composição da mídia na constituinte - quando no processo de redemocratização do Brasil –, sobre a postura contra a redução da jornada de trabalho e alguns direitos dos trabalhadores. Então a mídia tem posição de classe.

Mas por que nessa eleição isso ficou ainda mais claro?

Nessa eleição teve um agravante: o Serra, a coligação PSDB, DEM e PPS, estava meio sem proposta. Não tinha muito como criticar o governo Lula, porque a crítica faria comparação com os oito anos de reinado de Fernando Henrique Cardoso. Então não tinha muito como politizar o debate, pois isso não servia ao Serra. Por isso eles focaram na imagem da Dilma. E quando você não tem propaganda, utiliza um falso moralismo. Mesmo sendo mais sujos do que pau de galinheiro, falam em ética.

Em 2006 foi muito utilizado isso, já em 2010 foi mais difícil. Como que o Serra ia falar em ética se o “vice careca” dele, o José Roberto Arruda, estava preso? Como falar em ética se a Yeda Crusius estava sendo acusada de montar uma mansão com dinheiro público? Então o bloco ficou meio pendurado na brocha. Não tinha muito o que falar. E a mídia ocupou o lugar desse bloco.

A mídia então assumiu o papel de cabo eleitoral?

Vários estudos estão apontando nesse sentido e com o tempo vão confirmar com mais dados, mas já há vários especialistas destacando como sendo esta a campanha em que a mídia assumiu mais o papel de cabo eleitoral. Diferente até de 1989, quando até houve baixaria, mas por um tempo curto. Dessa vez foi uma campanha intensa.

E não é quem tem uma visão crítica a respeito da mídia que fala isso, na verdade é a própria representante dessa mídia, no caso a Associação Nacional de Jornais (ANJ). A presidente Judite Brito disse que como os partidos de oposição estavam muito fracos, a mídia ocupou o papel da oposição. Nessa campanha a mídia escancarou demais, e agora ela vai pagar o preço, porque isso coloca em risco sua credibilidade. Acho que esse foi um dos piores momentos da história do jornalismo brasileiro.

E o posicionamento da mídia quanto aos conselhos?

Ela fica numa situação engraçada. Como ela é tão colonizada, fica numa sinuca de bico. A postura da ANJ, Abert, essas associações, é a postura de quem parece que mora em Marte, não no planeta Terra. Parece que regulação da mídia, propostas reguladoras, são propostas malucas do Lula que “querem acabar com a liberdade de expressão”. Se a gente pegar os Estados Unidos, lá tem regulação, a FCC é a maior reguladora de mídia, e é razoável. Na Europa também tem regulação.

A ANJ aqui diria que é coisa de “chavista”, “fidelista”. Regulação da mídia é participação da sociedade. O escândalo que foi feito com a aprovação na Assembleia Legislativa do Ceará da proposta do Conselho Estadual é uma coisa que na verdade só teve uma razão: eleitoral. Inclusive já esqueceram, só se falou na ocasião porque era para “bater bumbo” na eleição; dizer que a Dilma representava censura, o que foi um atentado à liberdade de expressão.

E quanto aos movimentos sindicais?

Com relação ao movimento sindical brasileiro, na área dos jornalistas, acho que tem sido adotada uma boa posição. A postura da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) é a favor do Conselho, de um novo marco regulatório. Acho que o sindicato tem cumprido um papel importante sim. No sindicato do Ceará, por exemplo, a ex-presidente Debora Lima é um exemplo de particição ativa na luta pela democratização. Tive a oportunidade de participar de alguns debates e vi que ela tem posições muito lúcidas, muito equilibradas, afirmativas.

E o posicionamento das grandes mídias quanto ao conselho?

É de quem não aceita receber críticas. O posicionamento dos barões da mídia é de quem está acima do Estado de Direito, da Constituição, acima das leis. Reconhecem as experiências internacionais e não aceitam o Conselho porque seria um fórum de críticas. Adoram criticar os outros, mas não aceitam nenhuma crítica. Nesse sentido, eles é que são autoritários.

Você está a frente do Centro de Estudos Barão de Itararé, poderia falar um pouco da atuação da entidade?

O Centro nasceu em 14 de maio, está novinho. É uma experiência fruto do crescimento da luta pela democratização da comunicação no Brasil, fruto da Conferência Nacional de Comunicação e de todos esses movimentos de luta por Conselhos nos estados. O Barão (Centro) tem uma coisa interessante, ele procura unir forças, criar energia. Eu acho que tem uma arquitetura bonita, onde você tem todas as revistas e sites progressistas no seu conselho, jornalistas de linha de frente, com visões críticas. Não jornalistas numa postura serviçal

Cite alguns exemplos desses jornalistas.

Paulo Henrique Amorim, Luis Nassif, Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Viana, e por aí vai. Toda essa turma está no conselho do Barão. E olha que com pensamentos diversos. Então é uma unidade na diversidade, não tem pensamento homogêneo. Outro dado positivo é que o Barão conseguiu, ou melhor, está tentando realizar uma amálgama entre jornalistas de movimentos de lutas pela democratização com os movimentos sociais. Então lá tem várias centrais sindicais. Ele também enta fazer a ponte com a universidade. Talvez os principais especialistas que discutem comunicação no Brasil estejam no Centro, como o professor Vinícius Lima, Marcos Dantas, Denis Moraes, Laurindo Filho, enfim, todos estão lá. Somamos talentos e inteligências.

O que já foi produzido?

Já produzimos muita coisa interessante. Ele teve importância na organização do Encontro Nacional de Blogueiros, embora não tenha sido o criador. E esse encontro foi a chave para a entrevista com o Lula, que reuniu 330 blogueiros de 19 estados da Federação. Outra atividade importante foi um ato realizado na véspera do primeiro turno, denunciando o golpismo midiático. Não denunciando a mídia no geral ou o jornalista em particular, mas a ação do golpismo midiático vinculado a uma campanha baixa, utilizando preconceitos religiosos, algo criminoso, falso. A Globo falou várias vezes que a Dilma era a favor da descriminalização do aborto, sem explicar direito o que era isso. Só que ela nunca falou que a Mônica Serra, esposa do Serra, fez aborto. Impressionante a manipulação. Diante disso promovemos um ato aqui em São Paulo.

E sobre a Nordeste VinteUm, como você avalia a importância de uma revista fora do Sudeste mostrando a verdadeira cara do Nordeste brasileiro?

Eu fiquei surpreso com essa experiência. A gente aqui em São Paulo acaba não conhecendo a riqueza que é o Brasil. Esse é um dos problemas da mídia no país, ela é muito concentrada. Quando conheci a revista, fiquei boquiaberto. Eu não tinha a dimensão de que se produzia uma revista com essa qualidade gráfica e de conteúdo, e com essa periodicidade. Essa é uma experiência que precisamos divulgar mais, para estimular outros cantos do Brasil a se embrenharem por esse campo. A revista está de parabéns. É uma experiência rica, de alta qualidade, muito bem editada e bonita, e que não é fácil de fazer.

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