domingo, 30 de maio de 2010

A Conclat, a CMS e o direito à comunicação

Reproduzo artigo de Rosane Bertotti, secretária nacional de comunicação da CUT:

Nos próximos dias a capital paulista sediará dois eventos históricos, reunindo o que há de mais representativo no movimento sindical e social brasileiro para definir ações unitárias na luta pela construção de um projeto nacional de desenvolvimento.

Serão duas Assembleias maiúsculas. Uma no dia 1º de junho, histórica, somando mais de 30 mil lideranças da CUT, CGTB, CTB, Força e NCST no Pacaembu, com a classe trabalhadora coroando o intenso processo de conquistas tão expressivas como é a política de valorização do salário mínimo, Outra, na véspera, 31 de maio, com cerca de dois mil dirigentes das 28 entidades que compõem a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), potencializando ações ao lado do MST e da UNE em defesa dos recursos do pré-sal, da aceleração da reforma agrária e da ampliação dos investimentos e das vagas nas universidades públicas.

Na agenda comum, além do compromisso com a soberania, a democracia e a valorização do trabalho, compreendidos como pilares do desenvolvimento, a determinação de enfrentar o que tem se caracterizado como o principal partido da direita em nosso país: os conglomerados privados de mídia.

Ao relegar à invisibilidade a cobertura do 1º de Maio das centrais, que reuniu milhões de trabalhadores e trabalhadoras de Norte a Sul, os meios mercantis de comunicação expuseram o que escondem por detrás da sua altissonante “imparcialidade”. O grau de manipulação e desinformação que tomou conta do noticiário só não foi maior do que o tombo das suas audiências – o que já veio e os que estão por vir em função dos seus reiterados divórcios com a realidade. Como disse Luís Fernando Veríssimo, “às vezes a única coisa verdadeira num jornal é a data”.

O mesmo comportamento venal aconteceu diante do anúncio do governo de que a Telebrás seria a responsável, dentro do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), pela popularização das telecomunicações, que vinha sendo administrada por monopólios estrangeiros com serviço caro e de péssima qualidade. Contra o papel protagonista do estado se insurgiram manchetes, multiplicaram-se os artigos e reportagens para defender o indefensável: o interesse dos anunciantes contra a universalização da banda larga. No fundo queriam mesmo era impedir que o serviço fosse prestado em regime público para que continuasse privatizado, com os lucros alavancados ainda mais pelos recursos que planejavam tomar do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação).

Felizmente, a sensatez falou mais alto. A comunicação, como a verdade, não pode ser convertida em mercadoria, apropriada por donos que interpretam a realidade conforme suas conveniências político-ideológicas, ditada invariavelmente pelo amor aos cifrões. Daí a necessidade da implantação de um novo marco regulatório para o Sistema de Comunicação no Brasil, com ênfase no interesse público e na garantia de direitos humanos, para acesso, produção e meios de distribuição de conteúdo. Daí a necessidade da regulamentação dos artigos do Capítulo V da Constituição Federal que tratam da Comunicação Social.

É sempre bom lembrar os pontos que os barões da mídia querem que esqueçamos, reiterados democraticamente na Conferência Nacional de Comunicação. A Constituição determina que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição (art.220); estabelece princípios para a produção e programação das emissoras de rádio e televisão (221); determina que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país (222); sublinha que Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (223) e Institui o Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso (224).

Afogadas no abecedário neoliberal da “grande” imprensa, tais determinações legais viraram letra morta. É hora de levantarmos coletivamente a voz, milhões de vozes, contra a ditadura midiática que nos quer mudos. Façamos com que se ouçam os gritos dos protestos criminalizados, amordaçados e ensurdecidos nas câmaras de tortura editorial e que, enfim, se vejam por inteiro, o calor e a energia da vida dos que combatem, sem trégua ou descanso, pela justiça, que é a verdade que está por vir.

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O palpite togado de um golpe improvável

Reproduzo artigo enviado pelo amigo Gilson Caroni Filho:

A temperatura da disputa política, agitada com os recentes programas partidários, traz ao primeiro plano uma movimentação que, dependendo dos desdobramentos, pode ser ridícula ou inquietante: a nova direita, tal como a antiga, parece o homem que, acordado, age como se dormisse, transformando em atos os fragmentos de um longo e agitado sonho no qual ele ainda é o principal ator, com poderes para interromper qualquer possibilidade de avanço institucional.

O sonho-delírio do bloco neoudenista insiste em não aceitar a disputa democrática, reitera a disposição em deixar irresolvidos conflitos fundamentais, antecipando o fracasso de qualquer debate político. Seu ordenamento legal não se propõe a garantir o mesmo direito a todos, ampliando o Judiciário e racionalizando as leis. Deseja uma democracia que só existe no papel, com instituições meramente ornamentais que dão um tom barroco às estruturas de mando.

Inconformada com a derrota que se anuncia em pesquisas de intenção de voto, a classe dominante se esmera em repetir ações que um dia lograram êxito. Tornam-se cada vez mais frequentes as ações combinadas de articulistas de direita e membros do Judiciário. Acreditando que a história permite repetições grotescas, multiplicam-se editoriais, artigos, entrevistas com vice-procuradoras e ministros do TSE que acreditam estar criando condições superestruturais para um golpe contra a candidatura de Dilma Rousseff. Se ainda podemos encontrar pouquíssimos comentários políticos de diferentes matizes, é inegável a homogeneidade discursiva dos “especialistas” em jornalismo panfletário. E eles se repetem à exaustão.

No entanto, o erro de cálculo pode ser surpreendente. Confundir desejo com realidade tem um preço alto quando se pensa em estratégia política. Ao contrário de 1964, não faltam às forças do bloco democrático-popular, o único capaz de impedir de retrocessos, organização e direção. Os movimentos sociais, e esse não é um pequeno detalhe, não mais se organizam a partir do Estado, como meros copartícipes de governos fracos e ambíguos. Estruturados no vigor das bases, acumulando massa crítica desde o regime militar, os segmentos organizados contam, hoje, com experiências suficientemente amadurecidas para deslegitimar ações e intenções golpistas junto a expressivos setores da opinião pública.

Rompendo as alternativas colocadas pelas elites patrimonialistas que apoiam José Serra, as forças progressistas dispõem de plataforma política para não permitir que a democracia brasileira venha a submergir no pseudolegalismo que se afigura em redações e tribunais.

Nesse sentido, o que significam as palavras da vice-procuradora da República, Sandra Cureau, afirmando que, devido à quantidade de irregularidades, "a candidatura Dilma Rousseff caminha para ter problema já no registro e, se eleita, já na diplomação”? Nada mais que identidade doutrinário-ideológica com o que há de mais reacionário no espectro político brasileiro. Inexiste no palpite da doutora Sandra um pensamento jurídico que se comprometa com os anseios democráticos da sociedade brasileira.

Nem que fosse por mera hipótese exploratória, seria interessante que o Judiciário se pronunciasse sobre o conteúdo da informação televisiva, em especial a que é produzida pela TV Globo. Quando uma emissora monopolística, operando por meio de concessão pública, editorializa seu noticiário e direciona a cobertura para favorecer o candidato do PSDB, o que podemos vislumbrar? Desrespeito a uma obrigação constitucional? Abuso de poder político e econômico? Ou um exemplar exercício de “liberdade de imprensa”?

São questões candentes quando, antes de qualquer coisa, o custo da judicialização da vida pública partidariza algumas magistraturas. Sem se deixar intimidar com as pressões togadas, a democracia só avança através de pactos que permitam abrir a sociedade às reivindicações e participação social de setores recém-incluídos. A candidatura de Dilma Rousseff expressa essa possibilidade. Do lado oposto, sob pareceres e editoriais que se confundem tanto no estilo quanto no conteúdo, reside a quimera de um golpismo cada vez menos provável.

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Por que Dilma cresce nas pesquisas?

Reproduzo artigo do jornalista Maurício Dias, publicado na revista CartaCapital:

A sucessão presidencial parece ter sido invadida por curiosos fenômenos sazonais. No verão, o noticiário foi aquecido por uma certeza, difundida pela oposição, de que Lula não teria condições de transferir votos para Dilma. Agora, em pleno outono, quando as mentiras despencam como folhas de árvores, a oposição “denuncia” a influência de Lula no crescimento da candidatura de Dilma Rousseff, a partir do programa de televisão do PT, no qual o presidente foi âncora.

Essa é a tese favorita da oposição e nela o senador Sérgio Guerra, presidente nacional do PSDB, se agarrou para dizer que, após o próximo programa do PSDB na televisão, a candidatura de Serra voltará a crescer. “O mês de maio foi de Dilma, o mês de junho será nosso”, diz Guerra.

É mais um sinal do desnorteado comportamento de vaivém da oposição. Um lero-lero que esconde a inconsequência e a fragilidade do discurso do candidato tucano, que ora morde, ora assopra o governo.

As provas desmentem a versão de que a alavanca de crescimento da candidatura de Dilma, neste momento, foi a televisão. Essa versão embute a tentativa de desqualificar a petista e de contornar fatos que os opositores dificilmente conseguirão arredar do debate eleitoral: os resultados econômicos e sociais da administração e Lula. O que faz Dilma -realmente crescer é ser cada vez mais conhecida como candidata da continuidade.

As pesquisas dos institutos Vox Populi e Sensus, nessa sequência, foram as primeiras a detectar o avanço da petista: Dilma 37%, Serra 34% (Vox) e Dilma 37%, Serra 37,8% (Sensus). No entanto, como as duas sondagens fizeram o campo entre os dias 8 e 13 e 10 e 14, respectivamente, não tiveram impacto do programa do PT que foi ao ar na noite de 15 de maio. Isso abala o argumento de que a televisão foi determinante no crescimento de Dilma e teria provocado essa rápida variação das intenções de voto. Será?

Como se forma a opinião dos eleitores? São muitas as variáveis de influência. Certamente, a televisão, um veículo de comunicação de massa que define a pauta de assuntos de grande parte da população, tem peso. Mas há sérias dúvidas de que essa máquina que, segundo o ensaísta italiano Giovanni Sartori, “destrói mais saber do que transmite”, seja capaz de formar juízos sólidos.

Em outubro de 2009, o sociólogo Antonio Lavareda coordenou uma pesquisa nacional do Ipesp sobre Fontes de Informação Política e recolheu resultados interessantes com indícios sobre a influência da televisão e do rádio. Embora a maioria não goste (48%), há um número substancial de eleitores (27%) que “gosta muito” ou “gosta”.

Ao lado dessa pequena surpresa surge uma resposta que não surpreende ninguém. Perguntada se confia nas coisas ditas nas Propagandas Políticas, a maioria maciça (83%) responde que não. As propagandas políticas na televisão não são eficazes se não são verdadeiras ou, pelo menos, se não correspondem a tendências sociais. O eleitor sabe que os políticos, no Brasil e em todos os lugares, são assim: oferecem o paraíso para se eleger, mas não entregam depois de eleitos.

Mas um bom administrador, seja qual for, pode eleger o sucessor. Essa é a questão.

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A internet já ganha eleições?

Reproduzo artigo do professor Venício Lima, publicado no sítio Carta Maior:

Não pode haver qualquer dúvida sobre a importância crescente da internet no processo político e, em particular, no processo eleitoral. Em dezembro de 2009 já éramos 66,3 milhões de usuários e a classe C é a que mais cresce entre eles (Ibope-Nielsen, 2/2010 e 9/2009). Como afirmava matéria sob o título “Internet entra de vez na disputa Eleitoral”, publicada no Valor Econômico em 3 de julho de 2009, “de ferramenta quase exclusiva da elite nos anos 1990, a internet encerra a primeira década do século tendo como usuário um indivíduo cada vez mais parecido com o brasileiro médio”.

Além disso, o DataSenado divulgou em outubro de 2009, resultados revelando que a internet já era o segundo meio de comunicação mais usado pelo eleitor brasileiro para informar-se sobre política. Da mesma forma, o Vox Populi também divulgou, em outubro de 2009, resultado de pesquisa indicando que a proporção de eleitores que usavam a internet para se informar sobre política já chegava a 36%.

É apenas lógico concluir, portanto, que, como as proporções daqueles que se informam pela internet têm subido ano a ano, a cada eleição a internet aumente sua importância no processo eleitoral.

Apesar disso, neste ano eleitoral, parece estar havendo certo exagero em considerar as campanhas na internet como sendo determinantes para o resultado eleitoral. Somas consideráveis de recursos vêm sendo alocadas para as campanhas virtuais e pipocam por todos os cantos “experts”, consultores, professores de marketing político prontos a ensinar a políticos como ganhar uma eleição através do “uso estratégico da internet”.

Será que a internet sozinha ganha eleição?

Uma fonte de equívocos parece ser o processo eleitoral que culminou com a eleição do primeiro presidente negro da história dos nos Estados Unidos. A campanha de Barack Obama passou a ser vista como uma espécie de turning point em relação à utilização da web na política, inclusive no Brasil, independente das peculiaridades do sistema eleitoral americano e, claro, das imensas diferenças entre as nossas sociedades.

De fato, Obama se utilizou largamente da internet, não só para arrecadação de fundos, mas também para a organização de voluntários e a mobilização de novos eleitores, sobretudo jovens. Todavia, poucos se lembram que, na fase final, sua campanha investiu somas historicamente inéditas em anúncios de TV. Na antevéspera das eleições, foram comprados 30 minutos, em seis redes de televisão, com custo total estimado, entre produção e veiculação, de 6 milhões de dólares.

A lição que emerge dessas considerações é que, apesar de ser inegável a importância cada vez maior que a internet vem adquirindo nos processos eleitorais, não existe ainda evidências de que ela possa decidir uma eleição sozinha.

Certamente ela será em 2010, como já foi nas eleições presidenciais de 2006 e nas eleições municipais de 2008, um instrumento estratégico fundamental em qualquer campanha. Mas, certamente, não será o único e, dificilmente, se constituirá em instrumento determinante.

É bom, portanto, que os interessados se acautelem. Tem muito oportunista de plantão na praça vendendo peixe por lebre.

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A Conclat e os desafios do sindicalismo (4)

Na contramão da ofensiva mundial contra os direitos trabalhistas, o Brasil reuniu forças para conquistar uma vitória histórica: a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Desde o final da década de 1990 que esta bandeira galvaniza o sindicalismo, unificando todas as confederações nacionais, as centrais sindicais e a maior parte das entidades de base. Centenas de manifestações já ocorreram pelo país afora; os protestos do 1º de Maio priorizam esta demanda; dezenas de caravanas já se deslocaram a Brasília para pressionar os parlamentares. Fruto desta intensa e unitária pressão, a redução da jornada está hoje na pauta.

A retomada do crescimento da economia, após o susto da crise mundial, e a situação política mais favorável aos trabalhadores, com um governo que apóia – pelo menos em palavras – esta medida criaram um quadro mais favorável a sua aprovação. O momento atual impõe como prioridade máxima intensificar ainda mais a pressão, dar mais um empurrão, para conquistar esta vitória estratégica – uma “reforma de caráter revolucionário”, segundo as palavras do sociólogo do trabalho Ricardo Antunes.

Projeto tramita na Câmara Federal

No ano passado, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/95 que institui a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. De autoria dos senadores Paulo Paim (PT/RS) e Inácio Arruda (PCdoB/CE), o texto prevê ainda o aumento do valor da hora-extra de 50% para 75%. Naquela ocasião, mais de mil ativistas sindicais que lotaram as galerias do Salão Nereu Ramos, festejaram a aprovação. Na sequência, o projeto ficou congelado devido à pressão da bancada patronal, que utilizou a eclosão da crise econômica internacional para fazer terrorismo contra a medida.

Agora, porém, o projeto voltou a ser alvo de intensos debates no Congresso Nacional, de várias rodadas de negociação e de inevitáveis articulações. O presidente da Câmara Federal, deputado Michel Temer, prometeu colocar o tema em debate no plenário ainda neste ano. Contudo, o calendário eleitoral, que comprime a agenda parlamentar, e a ação de bastidor dos lobbies patronais podem remeter a votação do projeto para um futuro incerto. Só com muita pressão será possível decidir esta parada o mais rápido possível, sem ficar ao sabor do resultado das eleições de outubro – que pode até alterar a correlação de forças em detrimento dos anseios dos trabalhadores.

A gritaria dos senhores de escravos

A pressão contra a redução da jornada é violenta. Ela lembra a gritaria dos donos de escravos contra a Lei Áurea. Na época, no final do século XIX, eles diziam que a abolição da escravatura paralisaria a economia, destruiria as lavouras, estimularia a preguiça e a bebedeira – seria o caos. O país foi o último das Américas a se livrar da chaga social da escravidão e não sucumbiu – pelo contrário, a abolição foi decisiva para o progresso nacional. Lembra ainda, na fase mais recente, a violenta campanha do chamado Centrão, que reunia os partidos da direita, contra a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais, aprovada na Assembléia Nacional Constituinte em 1988.

Os argumentos são os mesmos. Quando da aprovação da PEC no ano passado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) emitiu uma nota oficial em tom ameaçador. “A PEC aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados elevará os custos da produção indistintamente em todas as empresas, atividades e regiões. Conseqüentemente, ela representará mais um obstáculo às contratações”. Partidária do deus-mercado, a CNI esbravejou: “As leis não criam empregos”. Para os avarentos empresários, o país precisa de “regras trabalhistas mais modernas e flexíveis”, que “estimulem a competitividade” e “garantam a segurança das empresas”, confessa a nota. Os empresários sonham em destruir totalmente o direito ao trabalho, flexibilizando a jornada (banco de horas), a remuneração (salário flexível) e a contratação (trabalho precário, terceirização, etc.).

O jogo sujo da mídia privada

Nesta violenta campanha, o patronato conta com uma expressiva bancada parlamentar – já que continua elegendo a maioria dos deputados federais e senadores – e com o apoio ativo da mídia. A TV Globo chegou a produzir uma série especial de reportagens para difundir a idéia de que há muitos direitos no país e de que eles “engessam a economia”. Jornalões e revistonas oligárquicas também repetem editoriais contra a redução da jornada e favoráveis à terceirização e ao banco de horas. Quando o presidente Lula ousou defender abertamente as 40 horas, ele foi acusado pela mídia de “demagogo e populista”.

Neste esforço para manipular a opinião pública, jogando-a contra os trabalhadores e o sindicalismo, as entidades patronais usam ainda vários intelectuais de aluguel. O consultor empresarial José Pastore, ex-coordenador do programa trabalhista do presidenciável Geraldo Alckmin, é um dos mais ácidos no combate à redução da jornada. Para enfrentar este bombardeio, principalmente o midiático, o sindicalismo necessita ter argumentos consistentes. Ele precisa enfrentar a intensa luta de idéias e desmascarar as mentiras patronais.

Os falsos argumentos do patronato

Nenhum argumento racional justifica a resistência do patronato à redução da jornada. A única razão existente é a sua ambição egoísta pelo lucro máximo, sem qualquer compromisso com os que trabalham e com o desenvolvimento da nação. Mas este motivo não pode ser confessado, por isso é embalado em falsa retórica. Como aponta um documento do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), intitulado “Reduzir a jornada de trabalho é gerar empregos de qualidade”, esta conquista civilizatória é um fator vital ao desenvolvimento humano e ao próprio progresso nacional. Confira alguns dos sólidos argumentos do Dieese:

- Existe, hoje, uma realidade de extremos. De um lado, muitos estão desempregados e, de outro, grande número de pessoas trabalha cada vez mais, realizando horas extras e de forma muito mais intensa devido às inovações tecnológicas e organizacionais e à flexibilização do tempo de trabalho. O desemprego de muitos e as longas e intensas jornadas de trabalho de outros têm como conseqüência diversos problemas relacionados à saúde, como estresse, depressão, lesões por esforço repetitivo (LER). Aumentam também as dificuldades para o convívio familiar, que tanto podem ter como causa a falta de tempo para a família, como sua desestruturação em virtude do desemprego de seus membros.

- Se, do ponto de vista social, fica evidente a necessidade da redução da jornada de trabalho (RJT), também é sabido que a economia brasileira hoje apresenta condições favoráveis para essa redução uma vez que: a produtividade do trabalho mais que dobrou nos anos 90; o custo com salários é um dos mais baixos no mundo; o peso dos salários no custo total de produção é baixo; o processo de flexibilização da legislação trabalhista, ocorrido ao longo da década de 90, intensificou significativamente o ritmo do trabalho.

Geração de 2.252.600 empregos

- Em vários países, a RJT sem redução salarial tem sido discutida como um dos instrumentos para preservar e criar novos empregos de qualidade e também possibilitar a construção de boas condições de vida. Porém, esta redução poderia até ser bem mais que isso, e impulsionar a economia e dinamizar seu ciclo virtuoso levando à melhoria do mercado de trabalho. Isto permitiria a geração de novos postos de trabalho, diminuição do desemprego, da informalidade, da precarização, aumento da massa salarial e produtividade do trabalho e teria como conseqüência, o crescimento do consumo. Este, por sua vez, levaria ao aumento da produção, o que completaria o círculo virtuoso.

- Pelos cálculos do Dieese, a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais teria o impacto potencial de gerar em torno de 2.252.600 novos postos de trabalho no país, considerando que: a) O Brasil tinha 22.526.000 pessoas com contrato de 44 horas de trabalho, em 2005, segundo dados da Relação Anual das Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego; b) Diminuindo quatro horas de trabalho semanais de cada uma delas, cria-se a possibilidade de gerar 2.252.600 novos postos de trabalho; c) A conta a ser realizada é (22.526.000 x 4) : 40 = 2.252.600.

- Para potencializar a geração de novos postos de trabalho, a RJT deve vir acompanhada de medidas como o fim das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas, que não permitam aos empresários compensar os efeitos de uma jornada menor de outra forma que não com a contratação de novos trabalhadores. Esse conjunto de medidas é necessário porque a contratação de novos trabalhadores tem sido, em geral, a última alternativa utilizada pelos empresários, com a adoção de outros métodos que acabam por impedir a geração de empregos. Um deles é o aumento da produtividade em função da introdução de novas tecnologias de automação ou organizacionais. Outro é a utilização de horas extras, do banco de horas; outro ainda é a intensificação do ritmo de trabalho, para citar apenas alguns.

- O fim das horas extras, ou mesmo sua limitação, por si só, já teria um potencial de geração de 1.200.000 postos de trabalho levando em consideração os dados de 2005. Ou seja, a realização das horas extras no Brasil rouba mais de 1.200.000 postos de trabalho. Isto ocorre por que: a) Pelos dados da RAIS, são feitas no país aproximadamente 52.800.000 horas extras por semana;
b) O cálculo para determinar o número de postos que isto representa é: 52.800.000 : 44 (jornada atual) = 1.200.000 novos postos de trabalho de 44 horas; c) Se fosse considerada a redução da jornada para 40 horas, o número de postos a ser criado poderia ser ainda maior.

O reduzido custo para as empresas

- A adoção da redução da jornada é um dos instrumentos que possibilita aos trabalhadores participarem da distribuição dos ganhos de produtividade gerados pela sociedade. As inovações tecnológicas e organizacionais são conseqüências do acúmulo científico e do esforço contínuo de gerações e são, portanto, mérito de toda a sociedade. Assim, a sua apropriação e utilização também devem ser feitas por toda a sociedade. Caso contrário, a desigualdade é cada vez maior, aumenta a concentração da renda o que traz mais pobreza, fome e exclusão. No que diz respeito à relação entre aumento da produtividade e desemprego, o fato de que são necessárias menos horas de trabalho para produzir uma mercadoria, obriga uma opção que é política entre: transformar essa redução do tempo necessário para a produção em RJT ou deixar com que a redução do tempo de produção, ou seja, o aumento da produtividade, tenha como conseqüência o desemprego.

- No que se refere ao argumento patronal que aponta para o risco de aumento de custos, é importante dimensionar melhor o que representa uma redução de 9,09% na jornada de trabalho, ou seja, reduzi-la de 44 horas semanais para 40 horas. Conforme dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a participação dos salários no custo das indústrias de transformação era de 22%, em média, em 1999. Assim, uma redução de 9,09% da jornada de trabalho representaria um aumento no custo total de apenas 1,99%.

- Ao se considerar o fato de que uma redução de jornada leva a pessoa a trabalhar mais motivada, com mais atenção e concentração e sofrendo menor desgaste, é de se esperar, como resposta, um aumento da produtividade do trabalho, que entre 1990 e 2000, cresceu a uma taxa média anual de 6,50%. Assim, ao comparar o aumento de custo (1,99%), que ocorrerá uma única vez, com o aumento da produtividade, que já ocorreu no passado e continuará ocorrendo no futuro, vê-se que o diferencial no custo é irrisório. E quando se olha para a produtividade no futuro, em menos de seis meses ele já estará compensado.

Distribuir os ganhos de produtividade

- Esse argumento dá sustentação à afirmação de que a redução de jornada é uma forma de o conjunto dos trabalhadores participarem dos benefícios gerados pelas inovações tecnológicas e organizacionais e os ganhos de produtividade que proporcionam. Não se sustenta, assim, o argumento empresarial que prevê a diminuição da competitividade da indústria nacional. Segundo aqueles contrários à RJT, o aumento de custos diminuirá a competitividade do país e fará com que o Brasil perca mercado externo, o que levará ao fechamento de muitas empresas voltadas para exportação e mesmo daquelas que enfrentarão, internamente, a competição com produtos importados.

- Mais um argumento a favor da redução da jornada de trabalho pode ser encontrado nos dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos que mostram o custo horário da mão-de-obra na indústria manufatureira em vários países. Um simples olhar para a tabela a seguir mostra que o custo da mão-de-obra brasileira não só é mais baixo, mas é muitas vezes mais baixo. O custo na Coréia do Sul, país que mais se aproxima dos valores brasileiros, é três vezes maior que o do Brasil. Isso significa que há muita margem para a redução da jornada.

- Custo horário da mão-de-obra dos trabalhadores ligados à indústria manufatureira, em US$.

Países 2005

Coréia do Sul 13,6
Japão 21,8
Estados Unidos 23,7
Brasil 4,1
França 24,6
Alemanha 33,0
Itália 21,1
Holanda 31,8
Espanha 17,8
Reino Unido 25,7

As vantagens da redução da jornada

No mesmo sentido, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Carga horária de trabalho: evolução e principais mudanças no Brasil”, mostra que a jornada no país é muito irregular e injusta. Quase metade dos ocupados trabalha acima das 44 horas fixadas na Constituição; e a outra metade trabalha em jornadas parciais e com os salários reduzidos. Para o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea, o intenso aumento da produtividade no país já permitiria reduzir a jornada para 37 horas semanais, o que resolveria o drama do desemprego no país, caso fosse acompanhada da ampliação dos investimentos no setor produtivo nacional.

Os dois estudos são irrefutáveis. A redução da jornada de trabalho não é apenas uma medida de justiça social, de combate ao desemprego, à informalidade e ao arrocho. Ela não beneficiaria somente o trabalhador com mais tempo livre para o estudo, a convivência familiar e o lazer. Ela alavancaria o próprio desenvolvimento do país, fortalecendo a economia. Em outras palavras, ele impulsionaria o próprio setor patronal. Apenas tornaria o sistema de escravidão assalariada um pouco mais civilizado. Não há porque o Brasil não reduzir a jornada para 40 horas semanais e Já.

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Como promover uma dissidente cubana?

Reproduzo excelente artigo de Hideyo Saito, publicado no sítio Carta Maior:

A blogueira Yoani Sánchez é hoje a figura mais cortejada pela coalizão de forças que combate a revolução cubana, liderada por Washington e composta por outros governos, por partidos políticos, por órgãos da mídia e por ONGs do mundo inteiro. Trata-se de uma poderosa tropa de choque que exige ampla liberdade política, respeito aos direitos humanos e democracia, mas apenas em Cuba. Aparentemente nenhuma outra nação no mundo inspira seus cuidados em relação a esses direitos políticos e humanos. Da mesma forma, denuncia também a escassez de bens de consumo em Cuba, mas jamais menciona o estrangulamento econômico praticado por Washington (que, aliás, é condenado por todos os países-membros da ONU, com as únicas exceções dos próprios Estados Unidos e de Israel).

O objetivo central dessa coalizão passou a ser, desde os anos 90, organizar e financiar uma oposição interna em Cuba. O congresso dos Estados Unidos aprovou leis especiais para respaldar essa política: a Torricelli, de 1992, e a Helms-Burton, de 1996. O intervencionismo teve seu auge no período de George W. Bush, que criou a Comissão de Apoio a uma Cuba Livre, presidida pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, e indicou Caleb McCarry (um dos artífices do golpe contra o presidente Jean-Bertrand Aristide no Haiti), como responsável pela transição à democracia naquele país.

Os recursos oficiais estadunidenses destinados a essa finalidade foram, em 2009, de US$ 45 milhões, sem considerar o orçamento da Rádio e TV Martí e verbas paralelas não declaradas [1]. No atual exercício, haviam sido liberados US$ 20 milhões, com a orientação de que fossem distribuídos diretamente aos destinatários em Cuba. O programa, entretanto, foi provisoriamente suspenso em abril último pelo presidente do Comitê Exterior do Senado, John Kerry (ex-candidato presidencial), provavelmente por causa da prisão em flagrante, em Cuba, de Alan P. Gross, quando fazia a distribuição de dinheiro e de equipamentos de comunicação [2].

O advogado José Pertierra, que atua em Washington, relacionou de forma exaustiva os diversos itens da ajuda provisoriamente suspensa, com base em informe oficial do Senado dos EUA. Destacamos apenas alguns, a título de exemplo: US$ 750 mil para os defensores de direitos humanos e da democracia; US$ 750 mil para parentes de presos políticos, como as “Damas de Branco”, e para ativistas que lutam para libertar aqueles presos; US$ 3,8 milhões para promover a liberdade de expressão, especialmente entre artistas, músicos, escritores, jornalistas e blogueiros (com ênfase nos afrocubanos); US$ 1,15 milhão para capacitar os ativistas mencionados no uso das novas tecnologias de comunicação.

A corrida pelo dinheiro de Washington

Essas informações tornam insustentável negar o financiamento estadunidense aos chamados dissidentes, de maneira geral. Não custa recordar ainda que aqueles que a mídia dominante insiste em chamar de presos políticos (cuja libertação está sendo reclamada pelo grevista de fome Guillermo Fariñas Hernández) foram julgados em 2003 justamente sob a acusação de receber dinheiro de Washington para combater a revolução. Em relatório de 2006, a Anistia Internacional registrou a realização, no ano anterior, de um congresso de dissidentes com a participação de mais de 350 organizações (a ata do encontro, porém, menciona a presença de 171 pessoas) nos arredores de Havana. Essa proliferação, porém, longe de mostrar a força da oposição, esconde a corrida de seus idealizadores para arrancar dinheiro de Washington.

Praticamente todas são organizações artificiais, criadas para que suas lideranças possam apresentar-se no escritório de representação dos EUA em Havana para receber a sua parte na cobiçada "ajuda em prol da democracia". Não há notícias sobre discussões políticas ou doutrinárias nessas entidades e muito menos de ações públicas sérias de sua iniciativa. Mas há fartos registros, isto sim, de brigas e denúncias recíprocas envolvendo a repartição e o uso da dinheirama. É por isso que, neste momento, a maioria dos dissidentes não vê com bons olhos a ascensão de Yoani Sánchez.

Lech Walesa de saias

O sonho dourado dos ideólogos de Washington é forjar em Cuba um novo Lech Walesa, o líder do sindicato Solidariedade e depois presidente da Polônia, apontado pelo National Endowment for Democracy (NED), do Departamento de Estado, como o maior triunfo de sua política. No caso de Cuba, isso foi tentado, entre 2000 e 2002, com um dissidente chamado Osvaldo Payá Sardiñas, organizador de um projeto de lei de iniciativa popular, que teve pouco mais de 11 mil assinaturas. O projeto foi recebido oficialmente, mas rejeitado pelo parlamento cubano.

Ele pretendia estabelecer nada menos que a liberdade para a criação de empresas privadas, inclusive órgãos de imprensa, a instituição do pluripartidarismo e outras medidas que implicavam eliminar o socialismo cubano de uma penada, baseado no suporte daquelas assinaturas (o número de eleitores no país é de 8,5 milhões). Equivale a um projeto de lei de iniciativa popular que fosse apresentado ao Congresso brasileiro, prevendo o fim da propriedade privada dos meios de produção, a convocação de eleições com candidatos indicados exclusivamente em assembleias de bairro e o fechamento dos oligopólios da comunicação. Seria cômico se o conteúdo da iniciativa não coincidisse com o do “programa de transição” divulgado em 2006 pela Comissão de Apoio a uma Cuba Livre, do governo Bush.

Em todo caso, com base nesse projeto Osvaldo Payá foi transformado em herói pela mídia dominante. Como acontece atualmente com a blogueira Sánchez, foi alvo de prêmios e honrarias mundo afora, além de merecer espaços enormes na mídia dominante. Recebeu, entre tantos outros, o Prêmio Andrei Sakharov da União Européia, quando estava sob a presidência do ex-premiê espanhol, José Maria Aznar, e foi recepcionado em audiência especial pelo Papa João Paulo II. Como o esforço não produziu os resultados esperados, a mesma mídia que o glorificava o esqueceu (como havia feito antes com Armando Valladares).

Agora, chegou a vez de Yoani Sánchez. Após ter resolvido subitamente voltar a Cuba de seu exílio na Suíça, colocou o blog no ar em abril de 2007. Pouco mais de meio ano mais tarde, ela já se transformava em personalidade mundial, com o acionamento da engrenagem publicitária da coalizão anticubana. Começaram a aparecer entrevistas de página inteira com a blogueira, não raro com chamadas de capa, em grandes publicações como The Wall Street Journal, The New York Times, The Washington Post, Die Zeit e El País, sem falar nos jornalões brasileiros e na indefectível Veja.

Ao mesmo tempo, sempre de forma significativamente sincronizada, surgiram os prêmios, os convites para viagens e outras iniciativas de cunho promocional. Em 2008 a blogueira foi premiada em vários países da Europa e nos Estados Unidos, além de ter sido incluída, pela revista Time, na relação das 100 personalidades mais influentes do mundo e pelo diário espanhol El País, entre os 100 hispano-americanos mais influentes. No mesmo ano, a revista estadunidense Foreign Policy a considerou um dos 10 intelectuais mais importantes do ano, assim como a revista mexicana Gato Pardo. Mais recentemente, lançou um livro em grande estilo, com edições quase simultâneas em diversos países, e adiantamento por conta de direito autoral (como os € 50 mil pagos pela editora italiana Rizzoli). Digno de registro também é que Yoani Sánchez enviou um questionário dirigido ao presidente Barack Obama e ele o respondeu prontamente. Ela explicou candidamente a atenção que Obama lhe dedicou: “talvez eu tenha sorte”.

Um blog multimilionário

A verdade é que o blog que a fez famosa desfruta de sorte não menos fantástica. Ele foi registrado por intermédio de um serviço chamado GoDaddy, uma companhia que costuma ser contratada pelo Pentágono para compra de domínios de forma anônima e segura para suas guerras no cyberespaço, conforme denunciou a jornalista espanhola Norelys Morales Aguilera [3]. “Não há em toda Cuba uma só página de internet, nem privada, nem pública, com o potencial tecnológico e de design da que ela exibe em seu blog”, sustenta.

O blog é atualmente hospedado em servidor espanhol, que não lhe cobra nada ("por 18 meses", diz ela), embora processe 14 milhões de visitas mensais e ofereça suporte técnico praticamente exclusivo. No mercado, custaria milhares de dólares por mês. É traduzido para nada menos que 18 idiomas, luxo que nem os portais dos mais importantes organismos multilaterais, como a ONU, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou a OCDE, exibem. Sánchez diz que são amigos que fazem as traduções.

Segundo o jornalista Pascual Serrano, ela usa recursos da web 2.0 a que muito poucos cubanos têm acesso, como o Twitter, os foros sociais e outros [4]. Em 2009, segundo o jornalista francês Salim Lamrani, o Departamento do Tesouro dos EUA, baseando-se na lei do bloqueio, fechou mais de 80 sítios de internet relacionados a Cuba, alegando que eles promoviam comércio. A única exceção foi justamente o blog de Sánchez, embora lá também haja venda de livros. Aliás, o sistema de pagamento utilizado por ele, o Paypal, e o de “copyright” que protege os textos da blogueira estão igualmente vedados a qualquer outro cidadão cubano, pelas mesmas razões [5].

Em recente entrevista a Lamrani, feita em Havana, Sánchez disse que seu blog não pode ser acessado de Cuba, como costuma “denunciar” aos dóceis jornalistas da mídia dominante. Só que desta vez foi desmentida no ato pelo entrevistador, que havia acabado de entrar na página sem qualquer restrição. Então, espertamente se corrigiu: “com freqüência ele fica bloqueado” [6]. A verdade é que o blog – assim como qualquer outro sítio – jamais foi objeto de medida repressiva do governo cubano. Isso é comprovado pela Alexa - The Web Information Company, que mede o volume de acesso de páginas de internet do mundo inteiro: segundo seus dados, o portal Desde Cuba, que abriga o blog de Sánchez, tinha 7,1% do seu tráfego originário de equipamentos cubanos, no final de 2009 [7].

O blog de Sánchez também foi distinguido em 2008 como um dos 25 melhores do mundo pela TV CNN, além de ter sido premiado pela revista Time e pela TV Deutsche Welle. As justificativas das premiações e honrarias alegam a coragem cívica de sua idealizadora e exaltam a qualidade de suas crônicas, embora elas se caracterizem, na verdade, por uma descrição pouco sutil da situação cubana, num tom catastrofista, sem qualquer nuance. Em sua prosa simplista, Cuba não passa de uma “imensa prisão com muros ideológicos”, onde se ouvem os “gritos do déspota” e as pessoas vivem entre “o desencanto e a asfixia econômica”, por culpa exclusiva do governo. Não há programas sociais bem-sucedidos, mesmo que eles sejam reconhecidos até pelo Banco Mundial, assim como não há fatores externos que agravam as dificuldades do país – exatamente como no diagnóstico maniqueísta da extrema-direita de Miami.

Apesar de tudo, após se casar com um alemão e se estabelecer na Suíça entre 2002 e 2004, Yoani Sánchez não só decidiu voltar espontaneamente a esse inferno que descreve com tintas carregadas, como implorou ao governo cubano que anulasse a sua condição de emigrada [8]. Definitivamente, não estamos diante de uma amadora que resolveu despretensiosamente escrever sobre sua rotina e a de seu país, como ela é descrita pela mídia dominante.

NOTAS

1- Diversas auditorias pedidas por congressistas concluíram que havia desvio e corrupção envolvendo esse dinheiro, mas a "ajuda" continuou, a pedido dos próprios dissidentes, como Elizárdo Sánchez e Martha Beatriz Roque.

2- José Pertierra. La guerra contra Cuba: Nuevos presupuestos y la misma premisa. CubaDebate, 02/04/2010. http://www.cubadebate.cu/opinion/2010/04/02/guerra-eeuu-contra-cuba-nuevos-presupuestos-misma-premisa/.

3- Norelys Morales Aguilera. Si los blogs son terapéuticos ¿Quién paga la terapia de Yoani Sánchez?. La República , 13/08/2009. http://larepublica.es/firmas/blogs/index.php/norelys/main-32/?paged=3.

4- Pascual Serrano. Yoani en el país de las paradojas. Blog Pessoal, 19/01/2010. http://blogs.publico.es/dominiopublico/1781/yoani-en-el-pais-de-las-paradojas/.

5- Salim Lamrani. Cuba y la “ciberdisidencia”. Cubadebate, 26/11/2009. http://www.cubadebate.cu/opinion/2009/11/26/cuba-y-ciberdisidencia/.

6- Repórter desmascara blogueira cubana Yoani Sánchez em entrevista. Portal Vermelho, 25/04/2010. http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=128182&id_secao=7.

7- Ver http://www.alexa.com/siteinfo/desdecuba.com. O jornalista espanhol Pascual Serrano solicitou a amigos de Havana que tentassem acessar o blog de Yoani Sánchez no mesmo horário. De cinco diferentes computadores, alguns residenciais, outros públicos, usando diferentes provedores, quatro entraram na página sem problema. Pascual Serrano. El blog censurado en Cuba. Rebelión, 26/03/2008. http://www.rebelion.org/noticia.php?id=65134.

8- Ela contou em seu blog que se surpreendeu com a existência, no serviço de imigração, de fila de pessoas que retornam a Cuba após terem pedido para sair.

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Mídia se esforça para ser o que não é

Reproduzo artigo do escritor Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

Recentemente aceitei convite de estudantes de jornalismo para analisar o comportamento da grande mídia ante as eleições majoritárias de outubro próximo. Embora não me apeteça deitar falação sobre tema tão circunscrito, não posso recusar sempre tais convites. Às vezes há que se aceitar, não porque este ou aquele tipo de cobertura me agrade ou desagrade, mas porque está dentro do perfil esperado de um crítico da mídia. Ora, os que me conhecem sabem que sou bem mais afeito a tratar de direitos humanos, liberdade de opinião, direitos da mulher, defesa de índios e outras populações vulneráveis, crítica às estruturas de poder capitalista, ao consumismo e por aí vai. O problema é que uma vez escrito o texto este se transforma em munição de uns em relação a outros desvirtuando por completo a intenção original que era apenas a de oferecer uma outra visão sobre o trabalho jornalístico capenga e sectário de parte majoritária de nossa grande imprensa.

Feitas as considerações pertinentes, vamos ao que interessa. Chama atenção a assimetria crítica vista na imprensa para cobrir as pré-campanhas presidenciais já postas. Multa para Lula e Dilma repercute antes mesmo de haver sido exarada. Passa a tema de editoriais inflamados, com blogueiro clamando por impugnação de candidatura na fase atual ou, então, a cassação caso a atual candidata logre êxito nas urnas. Enquanto isso, multa para o consórcio demotucano não chega nem a figurar em rodapé de coluna política. E se é mencionada, por distração do destino, ocupa menos espaço que a recordação do que levou o TSE a multar o consórcio governista.

A desfaçatez é de tal monta que, não obstante a declaração acima citada, os veículos mantêm a ambígua posição de se afirmarem imparciais e apolíticas. Esforçam-se para divulgar pesquisas para consumo interno dando conta que são vistos como equânimes, justos na cobertura do pleito político que se aproxima. À exceção de CartaCapital, que desde sempre declara sua posição política, as demais grandes revistas semanais de informação e os grandes jornais, emissoras de tevê e de rádio com cobertura nacional fincam raízes no engodo de divulgar o que é, de fato, sua prática: jornalismo atrelado a projeto de poder partidário. Qualquer coisa, menos isença, independência, visão crítica.

A grande mídia tem ideia fixa de fazer Aécio Neves vice na chapa presidencial de José Serra. Qualquer sinal, seja de fumaça ou não, dando a entender que Aécio baixou a guarda e já aceita considerar dedicar um átimo de milionésimo de segundo sobre a não tão remotíssima possibilidade de vir a ser parceiro de Serra para que, então, todas as pautas caiam, todos os temas sejam sumariamente liquidados, todas as reportagens em andamento desandem de imediato e todas as editorias entrem em pausada letargia.

É impressionante a disposição de nossa grande imprensa em ecoar um zumbido quiçá ouvido em Minas e mencionando a odisséia travada por José Serra para fazer vice o ex-governador mineiro. E não precisava ser assim. Esquece a mesma grande imprensa que o perfil adequado e cinzelado com extremo bom senso está bem ali, ao alcance de seus olhos, dentro de casa.

Porque não lançam a autora da estupenda declaração que, desde 18 de março de 2010, abriu inédita clareira para se entender o lait-motiv de nosso vetusto baronato da comunicação? A declaração é de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de S.Paulo e diz o seguinte: "A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo."

Nada mais justo que se encare o jogo político em toda sua inteireza. E se matariam dois coelhos com uma caixa d´água só, como diria amigo meu dos anos 1980. O primeiro seria solucionar a questão labiríntica de encontrar um Aécio para Serra. O segundo seria cacifar a posição político-partidária de nossa grande imprensa através de sua entidade de classe por excelência. Resta saber se agradaria aos gregos, troianos e democratas, sempre de olhos postos na vaga. É como a dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos com Erasmo querendo ocupar o lugar de Roberto. Caso Roberto cedesse provavelmente outros seriam os sucessos. Mas, com certeza, não existiria não existiria a bela Detalhes.

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“Mídia é obstáculo à vitória de Dilma”

Reproduzo entrevista de Emir Sader, concedida ao jornalista Anselmo Massad da Rede Brasil Atual:

O sociólogo Emir Sader acredita que a mídia é a única opção ao alcance da oposição para tentar desestruturar o que considera ser a tendência de vitória da pré-candidata Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República. Ele acredita que as políticas públicas adotadas na gestão atual não estão garantidas caso "a oligarquia volte ao poder", em referência à pré-candidatura de José Serra (PSDB).

"O governo Lula pode ser uma ponte para sair definitivamente do modelo ou um parênteses", opina em entrevista à Rede Brasil Atual. "As políticas feitas pelos tucanos, seja em nível nacional, seja nos estados, são de privatização", constata. Isso quer dizer que "nenhuma conquista do governo Lula seria irreversível".

Sader é autor de diversos livros, sendo o mais recente “Brasil, entre o passado e o futuro”, que discute a história da esquerda, as políticas realizadas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e as perspectivas para os próximos anos.

A respeito do discurso adotado por Serra no início da pré-campanha, tentando colocar-se como o mais capacitado para o "pós-Lula", o sociólogo faz um alerta: "A campanha eleitoral não é feita dizendo o que 'vou fazer', é feita do que 'o eleitorado quer que eu diga'. Senão não ganho". Na prática, isso quer dizer que a opção de tentar prometer continuidade está mais baseada nos índices de aprovação do governo Lula do que em convicções.

Sader qualifica Serra ainda como "autoritário" e "prepotente", e faz duras críticas à mídia. "Eu diria que o obstáculo maior à vitória da Dilma é o monopólio privado dos meios de comunicação", avalia. "O fato de que todos estão alinhados com o Serra. Isso indica o fracasso absoluto da política de comunicação do governo", critica.

As conquistas em política externa do Brasil estão garantidas para o próximo período?

Em política externa, as declarações do Serra demonstram que seria claramente uma mudança significativa (caso ele fosse eleito). Disse que o Mercosul era uma farsa, que o ingresso da Venezuela no mercado comum seria uma insensatez, que como presidente não convidaria o presidente do Irã nem visitaria o país no Oriente Médio, que o Brasil fez uma trapalhada em Honduras, etc. Ele está a favor de se afrouxarem laços na integração regional e voltar a estabelecer relações privilegiadas com os Estados Unidos. Isso seria uma mudança importante também no modelo interno, que só é possível porque há soberania externa.

A opção de priorizar relações comerciais e políticas externas com países em desenvolvimento, nas chamadas relações Sul-Sul, seria abandonada?

Nas eleições há quatro anos, quando (Felipe) Calderón foi eleito presidente do México de maneira possivelmente fraudulenta, o (Geraldo) Alckmin o saudou, dizendo que aquele é o caminho. O caminho do México é o do tratado de livre comércio, de quem retrocedeu 7% no PIB ano passado, quem foi ao Fundo Monetário Internacional, não diversificou no comércio internacional, não intensificou distribuição de renda, mercado interno e consumo popular. Quanto se retomaria o caminho é difícil imaginar, porque seria equivocado e ineficiente. O Brasil conseguiu superar a crise com rapidez pela demanda asiática – especialmente chinesa –, pelo intercâmbio regional com países sul-americanos. E também pela manutenção do poder aquisitivo no mercado popular.

Inicialmente o pré-candidato José Serra tem assumido uma postura de continuidade, de se colocar como o melhor para realizar políticas "pós-Lula". Ainda assim o senhor acredita que haveria mudanças?

O governo Lula pode ser uma ponte para sair definitivamente do modelo ou um parênteses, se a oligarquia voltar ao poder. As políticas feitas pelos tucanos, seja em nível nacional, seja nos estados, são de privatização. Pode não fazer tão grosseiramente quanto antes, mas os dois bancos estaduais de São Paulo foram vendidos. O Banespa foi privatizado para o capital estrangeiro. A Nossa Caixa teria o mesmo destino não fosse o Banco do Brasil comprar. Quem não faz políticas sociais, quem não financia programas populares, não precisa ter bancos. É mais importante fazer caixa para estrada, rodoanel, que dá mais impacto para o público. A própria prioridade das políticas sociais poderia ser questionada perfeitamente com uma mudança de governo.

Então, por que a opção de pregar a continuidade com, no máximo, alguns aprimoramentos?

A campanha eleitoral não é feita dizendo o que "vou fazer", é feita do que "o eleitorado quer que eu diga". Senão não ganho. Mais de 70% apoiam o governo Lula, portanto várias declarações são cosméticas para não se contrapor ao eleitorado. Talvez se esteja vendo que isso também seria um caminho de derrota, porque a sucessora normal seria a Dilma (Rousseff), mas até agora houve muito mais tentativa de buscar elementos de consenso com o governo, sem deixar claro o que se faria. Mas pelo que é feito em São Paulo... Se o Bolsa Família é tão bom, porque diminuiu aqui? Há uma série de políticas concretas que provavelmente seriam transferidas nacionalmente caso (os aliados de Serra) chegasssem a ganhar. Nenhuma conquista do governo Lula seria irreversível.

Nas últimas semanas, Serra chegou a bater boca com alguns jornalistas. Muitos apoiadores da candidatura de Dilma sustentam que a mídia tem um comportamento de apoio incondicional ao pré-candidato tucano. Como explicar essas reações contra repórteres?

Ele (Serra) tem um estilo autoritário, prepotente. Basta ser colocado em situações de risco e de incerteza para se comportar assim. Sobretudo quando é questionado sobre coisas que ele acha serem inquestionáveis. "Vai continuar o Bolsa Família?", etc. Ele acha ruim, sabe que são temas agudos e acaba perdendo o controle. Mas ele é assim, eu o conheço desde o movimento estudantil, é sempre autoritário. E ainda dizem que Dilma é autoritária. Quando uma mulher tem capacidade e competência é autoritária, senão, seria frouxa. Autoritário é o Serra. O estilo que vocês estão vendo agora é o normal dele de relação, de ser um trator, impor pela força, pela reiteração.

Agora, perdendo a liderança, vai cometer mais erros, inclusive no perfil da atitude sobre o governo Lula. Se continuar a se identificar, mais fácil a passagem de votos para a Dilma, se bater, vai estar na contramão do eleitorado. Se ficar o bicho pega, se correr o bicho pega.

Mas o senhor vê também a partidarização da mídia nas eleições?

A executiva da Folha (de S.Paulo, Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais, ANJ) que assumiu que, como a oposição é fraca, eles (veículos de comunicação) assumem o papel de oposição, significa uma consciência clara do papel que estão desempenhando. Eu diria que o obstáculo maior à vitória da Dilma é o monopólio privado dos meios de comunicação. O fato de que todos estão alinhados com o Serra. Isso indica o fracasso absoluto da política de comunicação do governo.

Há cinco anos é um governo com uma popularidade altíssima, sem um meio de comunicação autônomo. O Lula não fala para o povo, a imprensa escolhe o que ele vai falar. Parecem intermediários viciados no diálogo entre o presidente mais popular que o Brasil já teve e a massa, a cidadania. Vão se manter assim em ano de eleição porque é a única chance de tentar conter a provável vitória da Dilma.

A popularidade de Lula apesar dessa intermediação da mídia não indica que esse efeito da mídia sobre a população está inócuo?

É o instrumento que eles (oposição) têm a mão. Se vai ter eficácia ou não... Qual é o modelo de política popular melhor que a do Lula que tenham a apresentar? Qual é o projeto de país mais significativo? O que têm é a possibilidade de desarticular a imagem da Dilma por meio de denúncias baixas. É o que resta. O Lula já provou que está acima de qualquer campanha. Não pega. Os argumentos do Serra são de nenhuma compreensão para o povo.

Dizer que é "o governo mais patrimonialista que existiu", é o quê? "Apropria-se dos cargos"? Para o eleitorado, além de não ser claro o que isso quer dizer, fica a impressão de que, se o governo faz tudo isso mas o resultado é bom, não é um problema tão grave. A opção pode reiterar argumentos para quem já está contra. Eles não têm argumentos fortes. A comparação dos dois governos (FHC e Lula) é acachapante. A opção de apontar Serra como a melhor continuidade deixou de ser viável, porque os votos transferidos para Dilma são os que apoiam o candidato indicado por Lula. Matematicamente é uma tendência de derrota mesmo. O que está ao alcance é a mídia, e vão jogar com ele até onde puderem.

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A nova direita se ancora na mídia

Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no seu blog “Brasília, eu vi”:

Três eventos distintos, separados em períodos esparsos, definiram nos últimos meses o arrazoado doutrinário e os modos da nova direita brasileira, remodelada em forma e conteúdo, mas não nas intenções, como era de se esperar. Aterrissaram em sua pista dourada intelectuais do calibre de Fernando Gabeira, Ferreira Gullar, Nelson Motta e Arnaldo Jabor, grupo ao qual se agregou, para estupefação do humor, o humorista Marcelo Madureira, do abismal Casseta & Planeta.

Essa nova direita, cheia de cristãos novos e comunistas arrependidos tem no DNA um instinto de sobrevivência mais pragmático, gestado nos verdadeiros interesses em jogo, não mais na espuma do gosto popular. Não por outra razão, se ancora menos na ação parlamentar e mais na mídia, onde mantém brigadas de colunistas, e onde também atua, nas redações, de cima para baixo, de modo a estabelecer um padrão único de abordagem sobre os temas que lhe dizem respeito: dinheiro, liberdade irrestrita de negócios, dominação de classe, individualismo, acúmulo de riqueza e concentração fundiária.

Os três eventos aos quais me refiro causaram um razoável revertério na estratégia de comunicação social bolada por esse grupo neoconservador tupiniquim montado na rabeira da história dos neocons americanos. Senão, vejamos:

A surpreendente confissão de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ).

“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.”

Judith, autora da fala acima, primeira mulher a assumir a presidência da ANJ, é diretora-superintendente do Grupo Folha da Manhã, responsável pela publicação do diário “Folha de S.Paulo”. Disse o que disse porque, como chefe da entidade, tinha como certo de que não haveria outra interpretação, senão à dos editoriais dos jornais que representa, todos favoráveis ao papel da imprensa anunciado por ela.

Em suma, Judith Brito, embora não seja jornalista, representa bem um dos piores vícios da categoria, sobretudo no que diz respeito à cobertura política: falar exclusivamente para si e para os seus pares de ofício, prisioneira em um círculo de giz no qual repórteres escrevem para outros repórteres, certos de que uns irão repercutir os outros, escravos de uma fantasia jornalística alheia à realidade do mundo digital que está no cerne, por e xemplo, da decadência e no descrédito dos jornais impressos – não por acaso, fonte do poder e da autoridade de Judith Brito.

O acordo nuclear com o Irã, capitaneado por Luiz Inácio Lula da Silva e pelo primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

O sucesso da diplomacia brasileira nesse episódio criou um paradigma de atuação profissional do Itamaraty até então considerado impossível. De forma pacífica e disciplinada, a operação que resultou no acordo foi conduzida com extrema leveza, a caminhar sobre os ovos de aves agourentas distintas que se odeiam desde as primeiras luzes. Incorporou à biografia de Lula essa aura dos que lutam pela paz, requisito fundamental para a seleção dos premiados do Prêmio Nobel da Paz. Mas, antes que isso aconteça, a mídia brasileira vai finalmente descobrir que o milionário Alfred Nobel inventou a dinamite.

O resultado concretamente político dessa ação no Oriente Médio, apesar da bem sucedida pressão da extrema-direita americana sobre Barack Obama a favor de sanções contra o Irã, foi a desconstrução do discurso conservador da diplomacia brasileira, todo ele montado sobre as teses de alinhamento automático aos Estados Unidos, reação acrítica de atos de barbárie cometidos por Estados ocidentais e a submissão pura e simples às regras financeiras ditadas pelas nações ricas.

Nesse aspecto, a história do chanceler Celso Amorim será extremamente mais relevante do que a de seus antecessores, torcedores vibrantes pelo fracasso do ministro com ampla visibilidade nas matérias e programas de entrevista da velha mídia nacional. Entre eles, Celso Lafer, o ministro das Relações Exteriores de FHC que acatou a ordem de tirar os sapatos no aeroporto de Washi ngton, em 2002, para entrar nos EUA. Agora, Lafer acusa Lula de ter montado um palanque eleitoral no Itamaraty e encabeça a turma de ressentidos com a nova imagem do órgão, incomodado com a natural comparação entre tempos tão próximos. A ele se juntaram os diplomatas Sérgio Amaral, ex-porta-voz de FHC, e Rubens Barbosa, embaixador nos Estados Unidos à época em que Lafer se entregou à cerimônia do lava-pés da alfândega americana.

Também perfilado com eles está Luiz Felipe Lampreia, que odiava, com razão, ser chamado de “Lampréia”, nome de uma enguia sugadora com boca de ventosa. Isso significa que o ex-chanceler de Fernando Henrique deve estar também irritado com a reforma ortográfica, já que “lampréia” virou “lampreia” mesmo. Além de secar a gestão de Amorim, Lampreia se apresenta como “um dos 100 melhores palestrantes do Brasil” no site “palestrantes.org”. Justiça seja feita, trata-se de uma lista plural e, aparentemente, preparada a partir de parâmetros profissionais estabelecidos pelo site.

Interessante, contudo, é descobrir que Lampreia se apresenta, entre outros títulos, como membro dos conselhos consultivos de multinacionais e firmas de interesse ostensivamente americanos como Coca-Cola, Unilever, Council on Foreign Relations de Nova York, Inter-American Dialogue de Washington, e Kissinger MC Larty Associates, escritório de consultoria política montado pelo ex-secretário de Estado Henry Kissinger, primeiro chefe da comissão de investigação sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, nomeado por George W. Bush. O outro sócio, Mack MacLarty, foi chefe-de-gabinete de Bill Clinton, na Casa Branca. A banca de Kissinger e MacLarty é filiada ao Council of the Americas, uma agremiação de defesa da livre iniciativa intimamente ligada ao movimento neoliberal e neoconservador que tanto sucesso ainda faz entre tucanos e os liberais do DEM.

Fica fácil, portanto, de entender a birra de Lampreia com a política sul-sul, independente dos EUA, encabeçada por Celso Amorim. Da mesma maneira que ficou fácil entender por que, com Amorim, passamos a nos apresentar ao mundo de cabeça erguida, apesar de manchetes em contrário.

A adequação do Bolsa Família ao discurso da oposição e o refortalecimento do Estado.

O PSDB apelidou o Bolsa Família de “bolsa esmola” por duas razões. A primeira, por vingança, porque “bolsa esmola” era justamente o apelido dado pelo PT ao programa “Bolsa Escola”, do governo Fernando Henrique Cardoso, que dava 15 reais por filho matriculado na escola, no limite de três por família. Atingiu, entre 2001 e 2003, cerca de cinco milhões de famílias. Era, de fato, uma merreca. A partir de 2003, o Bolsa Escola foi incorporado ao Bolsa Família, assim como outros programa assistenciais da confusa burocracia tucano-pefelista. Desde então, virou um programa de transferência de renda centralizado no Ministério do Desenvolvimento Social, condicionado à freqüência escolar e ao cuidado com a vacinação de crianças e adolescentes. Os pagamentos variam de 22 reais a 200 reais e beneficiam perto de 13 milhões de família, ou um quarto de todas as famílias brasileiras. Daí, a segunda razão do apelido: despeito.

O potencial eleitoral do Bolsa Família está intrinsecamente ligado ao poder de transferência do prestígio e da popularidade de Lula à candidata do PT, Dilma Rousseff. A oposição percebeu isso muito cedo, mas nada pôde fazer. Simplesmente, não combina com a doutrina neoliberal a intervenção do Estado de forma tão ostensiva no combate à pobreza e à miséria. Além disso, o movimento tectônico de classes sociais provocado pelas intervenções estatais na economia incomoda em demasia o establishment, trazendo para a classe média uma população até então tratada como escória pela mesmíssima classe média. Sem falar nessa história de pobre andar de avião e comprar geladeira.

De uma hora para outra, as críticas ao Bolsa Família sumiram. O emblema dessa nova postura da oposição foi a reação nervosa do candidato tucano José Serra à pergunta, feita por um repórter da TV Brasil, sobre o futuro do Bolsa Família em um eventual governo do PSDB.

Desconfortável, Serra não consegue responder a essa pergunta de forma direta e convincente. Jamais vai conseguir. Confrontado, apela para o despiste, assume um comportamento rude com os repórteres e passa a responder fazendo perguntas, um expediente tão primário quanto constrangedor. Infelizmente, às vezes dá resultado: a presidente da Empresa Brasileira de Comunicação, Teresa Cruvinel, pediu desculpas (!) a Serra pela pergunta e prometeu um manual para cobertura das eleições. Eu pergunto, então, duas coisas:

1) Será vedado aos repórteres da EBC (TV Brasil, Agência Brasil e Rádio Nacional) perguntar ao candidatos sobre o Bolsa Família? Sob que argumento?

2) O que fazer com o Manual de Jornalismo da Radiobrás (atual EBC) lançado, em 12 de julho de 2006, pelo então presidente da empresa, Eugênio Bucci? Trata-se de um livro de 245 páginas construído em dois anos de trabalho com a participação de dezenas de grupos temáticos compostos por todos os funcionários da estatal. Esse manual perdeu a validade? E o protocolo de conduta da Radiobrás para eleições que ficava disponível na página da empresa na internet? Onde está?

E eu, ingênuo, pensei que José Serra é que devia desculpas ao repórter da EBC.

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