sábado, 16 de outubro de 2010

O aborto e o casal Monica e José Serra

Reproduzo mensagem enviada pelo amigo jornalista Alipio Freire:

Até este momento, nenhum de vocês me viu escrever sobre o aborto que teria feito a senhora Monica Serra.

Antes de tudo, porque considero que a privacidade das pessoas deve ser respeitada e preservada – princípio que aprendi ainda em criança, em minha casa, com os meus pais, e que os anos de militância e de vida, apenas reforçaram e consolidaram, dando-lhe contornos políticos mais claros e precisos.

Aprendi que transformar a privacidade das pessoas em espetáculo público é uma prática fascista, como é igualmente fascista todo ato de despolitizar e desqualificar o debate político (política = luta de classes, segmentos e grupos sociais em defesa dos seus interesses), substituindo esse debate pela discussão da privacidade e intimidade dos indivíduos [*].

Como muito bem afirma o filósofo Jean-Paul Sartre sobre a questão da tortura, penso igualmente a respeito do fascismo: "Não são os fascistas que produzem os fascismo. São as práticas fascistas que produzem homens e mulheres fascistas".

Sou intolerante com esse tipo de assunto.

E creio que devamos ser todos.

Com as últimas informações, ficou claro para mim que a única responsável por haver transformado em espetáculo público sua intimidade (aborto realizado aos quatro meses de gravidez) foi a própria senhora Monica Serra, esposa do candidato à Presidência da República, senhor José Serra, que o fez publicamente para suas alunas, e em diversas aulas e ocasiões. A mesma senhora que, em campanha pela eleição do seu esposo, afirmou que a candidata à Presidência Dilma Rousseff “vai matar as criancinhas”.

A auto-exposição pública, além de todas as mazelas já apontadas neste texto, ainda carrega as virtudes do narcisismo e da egolatria.

Enquanto a senhora Monica age dessa maneira (hipócrita, duplamente mentirosa, vulgar, narcísica, ególatra e fascista), a campanha do seu esposo – senhor José Serra – contrata um serviço de telemarketing para difundir que a candidata Dilma Rousseff, uma vez eleita, legalizaria o aborto em nosso país.

De acordo com o jornal “Correio Braziliense”, os telefonemas são dados por funcionárias mulheres do telemarketing, acrescentando: “Elas ligam em horário comercial no telefone fixo e procuram saber se há eleitor de Marina Silva (PV) na residência. Caso haja, as atendentes insistem na tecla de que a petista é a favor do aborto e que ela hoje se diz contrária apenas para ludibriar o eleitor”.

Por essas e outras, organizei alguns materiais que recebi de diversas fontes acerca do assunto, e que lhes repasso no pé desta mensagem e em arquivo.

Há uns dois dias, a candidata Dilma Rousseff assinou um documento público, no qual afirma que, durante sua gestão, a questão do aborto permanecerá tal qual está definida legalmente hoje.

Ainda que defensor da descriminalização do aborto e entender que esta é uma questão de políticas públicas – de Saúde e de Direitos Humanos – sinto-me na obrigação (ética e política) de declarar que concordo com este gesto da candidata Dilma Rousseff: a descriminalização do aborto é um assunto por demais sério e a quantidade de preconceitos que envolve (e que vêm sendo explorados calhordamente e de forma crapulosa nestas eleições pelo candidato José Serra, sua família e a frente DEM-Tucanos que ele representa), e que a atual correlação de forças impede qualquer avanço nessa direção. Depois de toda essa campanha, orquestrada pelo que há de mais podre em nossa sociedade, garantir os pequenos avanços conquistados a esse respeito, já é uma vitória.

Aos que ficam indignados com esta decisão da candidata Dilma Rousseff, chamo a atenção para quatro aspectos da questão:

Primeiro: a luta de classes (o fazer política) não se limita aos processos eleitorais – as eleições são um importante momento da política, mas não resumem ou substituem todas as manifestações do fazer político. Mais que as eleições, é a capacidade de mobilização e organização dos trabalhadores e dos demais explorados e oprimidos, quem tem a maior possibilidade de mudar a correlação de forças na sociedade, em favor dos interesses da maioria.

Segundo: hoje, derrotar a aliança DEM-Tucanos é mais importante do que discutir a questão do aborto, uma vez que a derrota das forças que apóiam o candidato José Serra deve ser, neste momento, nestas eleições, a questão prioritária, a questão principal. Desta derrota, depende a possibilidade de avançarmos em várias questões (pontuais ou não), inclusive aquelas relativas às diversas políticas públicas.

Terceiro: os rumos mais à esquerda ou à direita de qualquer governo dependerão sempre da nossa capacidade de pressão, da nossa capacidade de sermos sujeitos políticos: e só o somos, coletivamente. Ou seja, somente organizados somos um sujeito político capaz de enfrentar adversários e inimigos – o resto será sempre radicalismo-de-gogó, radicalidade inconseqüente. Necessitamos ser o suficientemente fortes em termos de organização e capacidade de mobilização, para empurrarmos os poderes da República na direção do atendimento dos nossos interesses.

Por exemplo: se cercássemos a sede do Supremo Tribunal Federal – STF, no momento de votações de assuntos substantivos para os nossos interesses, dificilmente os bípedes togados que ali decidem sobre destinos do país se sentiriam à vontade para agir como agem. Se cercássemos com milhões de pessoas o STJ, dificilmente personagens como o doutor Gilmar Mendes estariam compondo essa importante instância de poder. Sairiam de lá enxotados e sob nossas vaias. O mesmo serve para o Congresso.

Quarto: enquanto prosseguirmos esperando que os nossos representantes que compõem esses poderes (por melhores e honestos que sejam) sejam capazes sozinhos de responderem às nossas reivindicações e exigências, ou colheremos derrotas, ou os estimularemos a alianças por nós indesejadas, e mesmo a graves práticas não republicanas, como o suborno, a compra de votos, os desvios de dinheiros públicos, as chantagens dos dossiês e a toda essas práticas que negamos, que execramos e que devemos continuar a execrar.

Por fim, com esta minha mensagem e o material que segue espero ter contribuído para colocarmos a discussão do assunto aborto no seu mais adequado rumo, fugindo pelo menos da armadilha fascista que a santa aliança DEM-Tucanos propõem a todos nós.

Mais ainda, espero que, se vier a ser lida por dirigentes do Partido dos Trabalhadores, companheiros com responsabilidades no atual governo e/ou coordenadores da campanha da candidata Dilma Rousseff, inspire medidas política e/ou legais sobre o problema do telemarketing, e outras barbaridades que vêm sendo cometidas.

[*] A esse respeito, sugiro a leitura de “A honra perdida de Katharina Blum”, do escritor alemão Heinrich Böll, ou assistam o filme “A honra perdida de uma mulher”, do diretor Volker Schlöndorff (baseado no livro de Böll). Leiam e/ou assistam o filme, e insistam para que os seus filhos e outros jovens também leiam e/ou assistam o filme.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Faço voz para apoiar sua postura. Concordo que o "fascismo" ou "cinismos", ou "excrutinismo", ou como queiram chamar não deveria dar lugar às discussões politico-sociais que merecem o verdadeiro foco dos condidatos.

Sheila Ribeiro disse...

Obrigada pelalucidez em um assunto tão emaranhado.